Artistas fazem sucesso ao criar imagens digitais com pessoas 70+ e 80+ em atividades normalmente consideradas de pessoas jovens. A colunista Adri Coelho Silva reflete como a IA pode ajudar a desmistificar a maturidade e os perigos de se criar um padrão de "velhice perfeita"
Belíssimos homens e mulheres, todos negros e aparentemente 70+, desfilam muito estilo na praia, nas ruas e nas passarelas. Lindas mulheres asiáticas, aparentemente 80+, divertem-se em skates, jogando basquete, correndo com ovelhas e cabras. Senhores sarados de cabelos e barbas longas e brancas andam de skate e pegam ondas ao estilo Kelly Slater (que é 50+, diga-se).
Casais LGBTQIAPN+ e heteroafetivos em momentos de muito amor e beleza. Rugas em peles iluminadas, sorrisos escancarados com dentes plasticamente perfeitos, cabelos brancos… Tudo isso – e ainda irreverência, saúde e alto astral perceptíveis – compõe imagens digitais de situações irreais, protagonizadas por, usando as palavras certas, pessoas velhas.
São imagens que me enchem de alegria. Queria que a realidade já fosse essa. Mas para velhos, por enquanto, essa relevância só é possível por meio de artes digitais criadas por homens via inteligência artificial. Nem nas chamadas blue zones (regiões com altas taxas de longevidade e vitalidade) algo assim acontece.
Fascinada por essas artes IA que mostram senhores e senhoras em situações possíveis, porém, em muitos casos, ainda irreais, fui atrás de seus autores. Tudo fica mais interessante quando a gente conhece os bastidores, não é? Os criadores que celebram os idosos são três homens, dois na casa dos 30 anos e o outro faz segredo com a idade. Respeito. Nenhum deles é do Brasil. Malik Afegbua, o @slickcityceo, é da Nigéria; Dadan M Ramdan, o @ramdanauthentic é da Indonésia; e Liberta Romano, o @libertaromano, é do Chile, radicado no México.
Quis saber: qual o propósito de criar personagens idosos tão fascinantes e fora da realidade?
O criador e cineasta Malik Afegbua, 38 anos, respondeu: "Comecei a trabalhar nessas criações porque não conseguia falar com minha mãe depois que ela teve um ataque cardíaco. Expressar-me através das artes sempre foi uma terapia para mim, então decidi criar pessoas como a minha mãe, em um lugar feliz, um lugar mais inclusivo, e decidi compartilhar com o mundo”.
Inteligência artificial criada direto do coração, eu pensei, tão pronto li a resposta, emocionada. O nome da mãe de Malik é Elizabeth Afegbua. O autor do @slickcityceo continuou: “Foi aí que percebi como a sociedade mais velha é marginalizada e que minha arte poderia dar voz aos idosos”. Vibrei, afinal, esse também é o meu propósito com o @vivaacoroa.
“O desfile de moda para os mais velhos nasceu disso, como eu vi que não havia nada ‘lá fora’ (no mundo real) que representasse os mais velhos naquele espaço, decidi criá-lo para que inspirasse a realidade”, completa Malik Afegbua. Eu já era fã do trabalho dele, virei extra-fã. Não foi diferente com Dadan M Ramdan ou com Liberta Romano, que tem uma escrita lírica encantadora, vale mencionar.
Ramdan, o autor das senhoras asiáticas em momentos radicais, livres e felizes, me contou que, para criar, se inspira na vida cotidiana da Indonésia, onde nasceu e vive. “Crio idosas porque elas têm uma singularidade, especialmente quando estão ‘fazendo coisas’ associadas apenas aos jovens. Além disso, quero aconselhar os jovens a apreciarem os mais velhos”, diz o artista, de 31 anos.
O romantismo está implícito no trabalho de Liberta Romano, o artista das cenas de casais 80+ que são pura poesia. "Foi muito interessante criar um imaginário a partir de histórias de pessoas para as quais não existem referências. Está cheio de avós héteros, mas é raro ver casais LGBTQIA+ mais velhos”, diz.
Romano conta que seu trabalho tem origem em uma história de amor barrada pela opinião pública, entre uma cantora mexicana, Ana Gabriel, e uma pessoa misteriosa, mas famosa no México. Fofoca também é arte. Os dois decidiram abreviar um relacionamento porque temiam desagradar o público. Ela escreveu uma sofrência sobre o tema. Foi aí que Romano criou sua primeira arte, imaginando como estaria o casal na velhice caso tivessem seguido em frente.
“Minhas imagens recentes são baseadas em todos aqueles amores profundamente escondidos, por décadas, e até uma vida inteira, porque, como escreveu Ana Gabriel, na música 'Simplesmente Amigos’… 'Não aceitam o nosso amor”, diz Romano.
Estas imagens não são apenas aspiracionais, mas revolucionárias. É uma forma de questionar e transformar as normas sociais vigentes. Ao apresentar idosos em atividades normalmente associadas à juventude, usando a IA, estamos efetivamente quebrando estereótipos e desafiando a maneira como a sociedade percebe a velhice, como nós percebemos a velhice.
É isso: abrir espaços e oportunidades, mesmo que fictícios, pode ser um caminho para garantir mais dignidade aos idosos. Ouço muito… "Ah, mas tem um monte de gente 70 e 80+ ocupando seus espaços, com respeito e com destaque no mundo real”. E costumo responder: o quanto é um monte em uma população crescente como é a idosa no mundo? Inclusão ou exceção? Qual métrica você prefere?
Outro questionamento: onde estão os idosos da IA fora dos padrões de beleza? Eu penso que estão a caminho. Ou será que os padrões estabelecidos desde a juventude precisam nos acompanhar, mesmo na velhice? Quebrar padrões aos poucos é naturalmente inteligente, especialmente em uma sociedade que talvez consuma mais imagem do que água no dia a dia.
O meu desejo é que o IA, que começou o movimento de inserir o velho no lugar onde ele na atual realidade não está, dê outros passos quebrando mais padrões de beleza. Para não pensarmos que todos os velhos precisam ser fisicamente como a Nicole Kidman ou o Tom Cruise.
Quebrar padrões com arte é criar magia. E é isso que esses artistas fazem no Instagram. Eu acredito no poder da fantasia para a transformação de uma sociedade. A literatura e o cinema estão aí para provar que dá certo criar estórias para inspirar a mudança na história. Torço para que a inteligência artificial siga essa mesma linha. O potencial está comprovado! Viva @slickcityceo, @ramdanauthentic e @libertaromano. Viva as coroas!