Sobre não comprar bananas verdes, mas desejar uma leitura que ainda não existe
Sabe aquelas pessoas que fazem uma lista de livros para ler? Não sou dessas. Gosto de ler, mas normalmente sigo o meu instinto. E as vezes vou pela capa, confesso sem ter vergonha. Deu vontade, os sinos bateram pelo tema? Compro e leio. Assim como tenho dificuldade de ler livros diferentes ao mesmo tempo, não me é muito fácil abandonar um livro pela metade. As vezes faço, mas me custa. Com a passagem do tempo, os neurônios vão rareando... transformam-se em neo-luxos. Parafraseando Iris Apfel “Chega uma fase da vida que você já não compra bananas verdes”. Ou está pronta para você ou passa.
Contudo, nesta mesma fase da vida também já entendi que quebrar as próprias regras (e todas as outras), de maneira espontânea, diga-se, é uma delícia. Por isso, estou adorando esperar pelo lançamento do novo título de Elena Ferrante, que chegará às lojas virtuais em junho de 2020. E não foi só o título “A Vida Mentirosa Dos Adultos” que me pegou. Sou fã da escrita da autora misteriosa, que guarda sua identidade como um tesouro. Pseudônimos estão para o mercado literário como a perda de colágeno está para a velhice... são obviedades. Só pensar em Pessoa ou em Lispector para lembrar de mais de uma mão cheia deles.
Mas o caso de Ferrante é diferente. Afinal, estamos em 2020, a era da imagem, do espetáculo, dos likes, em que todo mundo quer ter seu feed da fama, seu reconhecimento... menos Ferrante, Banksy, o/a artista de rua britânico, Margiela, um dos mais geniais estilistas (que sempre credita suas criações no coletivo, nós fizemos, dando créditos ao seu time), o DJ Marshmello.
O argumento fundamental das pessoas que fazem essa escolha é o de “valorizar a arte em detrimento à imagem”. Pode ser uma tremenda mentira de adulto. Mas dá uma curiosidade danada. Curiosidade é amor, aprendi recentemente com Costanza Pascolato e gostei. Curiosidade também é combustível para imaginação crucial para a vida em qualquer idade e para a literatura de ficção. O que seria da história das personagens de Ferrante, a Lila e a Lenu, se não fosse a interpretação imaginativa de cada leitora, leitor?
Mesmo com uma narrativa descritiva, a autora (para mim é mulher e ponto) dá espaço para que a leitora (no meu caso) se projete no enredo que se passa no pós-guerra, em Napóles, ainda que eu tenha crescido em Porto Alegre, e nos anos 60. Li todos os livros que antecederam este que espero. Posso falar de Lina e Lenu como falo de mim. E, talvez, eu fale só de mim ao falar delas. Por esse ponto de vista, pode ser que a minha vontade de esperar pela leitura tenha a ver com a minha ânsia de saber do meu futuro... da minha próxima história.
Até porque há muitas matérias que dizem que Lina e Lenu não estarão no misterioso “A Vida Mentirosa Dos Adultos”. Será? Não importa, estão em mim. Porque no fim do dia (ou do texto) as respostas são: quem não quer saber do futuro e ter personagens para se abrigar em pleno 2020? Quem quer comprar bananas verdes? Quem quer ser sempre a mesma pessoa? E por fim: quem acredita na vida mentirosa dos adultos? Eu desconfio faz tempo. E você?