Do Festival de Cannes ao São Paulo Fashion Week, as mulheres mais velhas estão ganhando cada vez mais espaço, respeito e destaque. Isso é muito bacana, mas reflete a vida real?
Em 76 anos, o Festival de Cinema de Cannes premiou apenas três mulheres com o seu reconhecimento máximo, a Palma de Ouro. A terceira vencedora foi premiada no último sábado (27). É uma quase coroa, Justine Triet, 44 anos, francesa, diretora do filme Anatomia de uma queda. Um ótimo título, que poderia vestir muito bem uma coluna que ainda quero escrever e que descreverá o passo a passo até o fim do etarismo.
Por enquanto escrevo sobre o etarismo e gosto de acreditar que estamos em direção a essa queda, ainda que com muito chão pela frente, obstáculos diversos e uma contribuição extra e muito atual: o tal marketing da inclusão, o “washing”, que se apropria de causas sociais atuais e urgentes para atrair público, consumo, espaço.
Acontece muito com o anti-etarismo e com o feminismo. Por exemplo: na semana que antecedeu o Festival de Cannes, foi muito publicado que existiam sete mulheres entre os concorrentes ao prêmio de melhor direção, mas pouco se falou dos 12 homens que estavam no páreo. Até porque os homens sempre estão lá, não é novidade, portanto não é assunto. Entende? Quem premiou a terceira mulher a ganhar a Palma De Ouro, entre 73 homens que já ganharam, foi Jane Fonda, a musa do anti-etarismo. Seria por acaso? Ela, ativista que é, não perdeu tempo e deu o recado no palco: “Nos anos 70, não havia mulheres diretoras competindo e nunca nos ocorreu que havia algo errado com isso”.
Sem provocação não há (r)evolução.
Eu vejo um questionamento nas entrelinhas da fala de Jane Fonda, algo na linha: “Como assim não enxergávamos que estava errado? Como demoramos tanto?”. Posso estar errada quanto à interpretação. Sinceramente? Acho difícil e digo mais: o anti-etarismo feminino existe majoritariamente como marketing social mesmo.
É destacado nas premiações máximas do entretenimento (como o Oscar, com Jamie Lee Curtis e Michelle Yeah), nas passarelas da moda (com modelos nacionais como Silvia Pfeiffer, Monique Evans e internacionais em destaque), nas séries (Grace & Frankie se desdobrando para ter respeito, reconhecimento e ganhar o mercado com suas invenções próprias para mulheres mais velhas e ativas), nas novelas (lembra daquela personagem da Andrea Beltrão?) e no showbiz (Alcione, Fernanda Montenegro, Ivete e mais).
Mais recentemente as mulheres maduras e célebres são destaque do podcast “Wiser Than Me” (Mais sábias que eu), criado pela atriz Julia Louis-Dreyfus, que semanalmente entrevista mulheres incríveis que seguem vivendo de forma significativa, como a própria Jane Fonda, Diane Von Fürstenberg, Isabel Allende e outras. Existem importantes iniciativas no segmento, todas lideradas por mulheres 50+ nas redes sociais e nas telas.
Mas e na vida real? Como é o reconhecimento, a liberdade e o espaço da mulher 50+ ? A reflexão que eu faço é que o movimento 50+ tem feito bastante barulho, no entanto, o quanto disso migra para o real? Penso que nós, mulheres coroas, estamos longe de igualdade no protagonismo, nas oportunidades…
Como é o destaque da mulher 50+ na vida como ela é? O que acontece com uma mulher 50+ profissionalmente? E socialmente? Ela está no auge fora da mídia?
Aposto que em seu círculo social exista duas ou três mulheres muito mais velhas que você e atualmente superativas e produtivas. E isso é demais. Eu as celebro. Contudo, esse número faz sentido se comparado com o outro tanto de mulheres 50+ que você conhece e que estão na situação oposta? É importante frisar que a ausência de protagonismo na vida talvez não seja escolha, mas falta de oportunidades e reconhecimento. Enfim, meu convite é: faça a sua pesquisa no seu círculo social e profissional. E lembre-se: fique só em mulheres mais velhas. O corte de gênero é crucial, uma vez que com homens tudo é muito diferente. Os velhos são vistos de uma forma. As velhas de outra.
Cito um exemplo vindo de Cannes, onde perguntaram à atriz Andie MacDowell como era envelhecer. A resposta: “Por que não perguntam isso ao Hugh Grant ou ao George Clooney?”. Assim como todas as causas sociais, o anti-etarismo precisa de espaço e também de muita seriedade. Não só porque eu quero e porque é o correto, mas porque o mundo está ficando cada vez mais velho e, pela primeira vez na história, a pirâmide etária mundial irá se inverter, com mais pessoas acima de 50 anos do que abaixo.
Se essas pessoas não trabalharem por causa do etarismo, por exemplo, o caos social se instaura e atinge todo mundo. E esse todo mundo não se refere ao seu “todo mundo”, a sua turma, mas sim ao mundo todo mesmo. Todas as pessoas merecem respeito e oportunidades iguais… mas não é assim na vida como ela é. E piora com a idade e a ideia de que o mais velho fica obsoleto e é descartável, especialmente no mercado de trabalho.
Vamos ao fatos e às relações para deixar mais claro: como mulheres, a força feminina no mercado de trabalho e nosso poder de consumo têm mais espaço desde a Segunda Guerra Mundial. No que se relaciona ao anti-etarismo, a história é bem diferente porque poucos querem o velho nas empresas e muitos não os reconhecem como necessários. Ainda assim, o movimento para destacar a competência dos mais velhos (e a boa diferença que eles podem fazer) no mercado de trabalho até está começando, mas muito mais na mídia do que na prática e no mercado.
Representatividade importa muito, quero deixar isso claro. É importante e necessário que aconteça, é um começo, é bacana. Mas não é o suficiente. Tapetes vermelhos, em geral, cumprem esse papel e inspiram. Mas será que além de nos inspirar, não desviam a nossa atenção? Sabemos que é importante para as marcas de moda e de alta joalheria que seus looks sejam amplamente divulgados através da imagem de suas musas. Eu adoro e sempre destaco as musas 50+ no @vivaacoroa. Mas para as próprias atrizes esses momentos de grande glamour não necessariamente garantem o próximo contrato de trabalho.
A questão é que representatividade sozinha não transforma o mundo. Existe uma distância imensa entre a pauta e a real transformação, e estamos no meio desse caminho. Para avançar, eu penso, temos que ficar atentas ao que é esvaziado, ao que é marketing, ao que de fato ajuda, ao que inspira e ao que transforma. Separar o joio do trigo essa é minha proposta.
Quem é 50+ conhece bem a expressão e o valor que tem. Não temos mais idade para levar gato por lebre, não é? E nem imaturidade para minimizar o valor de Jane Fonda naquele palco. Aliás, quero destacar que, no lugar de um vestido glamouroso, ela vestia calças. E o destaque ao look se dá porque até o uso da calça — até isso — teve que ser conquistado pelas mulheres. Como diz o meme: a mulher não tem um segundo de paz. E eu completo: embora tenha séculos de conquistas. Vamos em frente!